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RETROSPETIVA

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A nossa viagem começa no aeroporto da Portela em "stand by". -"Vocês sabem o que é estar em stand by?"-diz-nos a senhora que está no balcão de check in da TAP. "Stand by" significa que não sabemos se voamos até à hora do avião partir porque a companhia aérea vendeu mais lugares (bilhetes) do que aqueles que existem no avião. A senhora do check in tentou tranquilizar-nos dizendo que havia grandes probabilidades de voarmos e que esta situação era legal. Legal e amoral, penso eu. Mesmo recebendo a indeminização a que se tem direito, o conceito está errado - não podemos vender o que não temos, caso contrário, um dia destes também vendo o apartamento do vizinho. Enquanto deambulávamos pelos corredores do aeroporto à espera do voo, tentei ver o lado positivo da coisa. Estávamos em Lisboa, no caso do avião não nos levar, recebíamos cada um 600 euros, ou seja 1200 euros, hotel, refeição, transfer pago e prioridade de embarque no voo seguinte. Não afetaria assim tanto os nossos planos e ainda ganhávamos um subsídio de férias. Às 22h 15 minutos estávamos a levantar voo.

Chegámos a São Paulo, Brasil, ao outro dia de manhã, para voarmos umas horas depois para Buenos Aires. O conceito de "estar em trânsito" no Brasil implica sairmos do avião, passarmos um controlo de passaportes, darem-nos um visto de entrada no país, dirigirmo-nos para a zona da recolha das bagagens, por sorte não tivemos que recolher as bagagens porque foram mandadas diretamente de Lisboa para Buenos Aires, e, posteriormente, saírmos para a zona exterior do aeroporto. Depois, dirigimo-nos para o outro terminal, voltámos a passar o controlo dos passaportes e das bagagens, recolheram o visto de saída do país, colocaram mais um carimbo e chegámos à porta de embarque para apanharmos o avião para Buenos Aires. Tudo isto foi uma eternidade. E assim, fez-se ouvir o meu nome junto à porta de embarque, a primeira vez em toda a minha vida, não pelo facto de estar atrasada mas porque queriam confirmar aonde andavam as nossas malas de porão e colocá-las no sistema. Gostei sobretudo desta atenção pois já não é a primeira vez que chego ao meu destino final sem mala. Agora tinha a certeza que elas estavam "no sistema".

Chegámos a Buenos Aires pelas duas da tarde. Ainda no interior do aeroporto, logo após recolhermos as bagagens, existem uns stands que oferecem carros transfers e autocarros até aos hotéis. Fretámos um carro transfer que nos levou ao hotel, perto da 9 de julho, por cerca de 45 euros. São cerca de 20 km do aeroporto de Ezeiza até ao centro da cidade. No entanto, esta não é a melhor opção. Quando se sai do aeroporto também existem guichets do Táxi Ezeiza, o táxi oficial do aeroporto, que é mais barato e cujo preço é fixo por bairro (ronda os 350 pesos).

Chegámos ao Hotel Viejo Tielmo, tomámos um banho, descansámos um pouco, e à noite estávamos na praça Dorrego para jantar. A praça estava bastante morta, os bares praticamente vazios, assim como os restaurantes, para uma sexta-feira à noite. Dizem que esta praça é bastante movimentada, que se pode ver espectáculos de tango mas, das vezes que lá estive, estava praticamente deserta. Como depositava grandes esperanças nesta praça, fiquei um bocado decepcionada, pois o ambiente boémio nem vê-lo. Assim, acabámos no restaurante Don Ernesto, numa lateral à praça, onde saboreámos uns tortelinis caseiros e cordeiro estufado, tudo em abundante fartura. Por vezes, os garçons batem-se à gorjeta -"10% é para o serviço que, como pode ver, não está incluído na fatura". Não acontece sempre mas quando ocorre fica um trago desagradável na refeição, que me deixa a pensar se estão a fazer de mim palhaça por ser turista ou se também o fazem aos locais. Dito assim, dá-me vontade de não deixar nada.

No dia seguinte, apanhámos um táxi (cerca de 150 pesos) para o outro aeroporto da cidade - o aeroparque, onde se apanha a maioria dos voos nacionais e alguns para o Brasil. Este aeroporto é bastante movimentado. Voámos para Ushuaia, onde chegámos por volta das 17.00 da tarde, três horas de viagem. Chegados à Terra do Fogo e ao Fim do Mundo, apanhámos novo táxi para o hotel. O nosso hotel era bastante acolhedor e tinha uma vista soberba do canal Beagle. O dono do hotel era bastante atencioso e procurava falar connosco em português. Na realidade isto aconteceu-nos várias vezes, há vários argentinos que falam português porque eles têm imensos turistas brasileiros. Aliás, a maioria dos turistas são brasileiros. Nesta altura do ano (agosto e inverno austral), praticamente não se veem europeus na argentina, muito menos nesta parte do mundo, ou fim dele, excepto aqueles que vão esquiar. Disseram-nos que era por causa do frio e no egito disseram-nos que era por causa do calor. Será que os brasileiros não têm frio?!

Seja como for, nós íamos bastante bem equipados para o frio: gorros, calças da neve, luvas, botas de treking, polares, kispos e cachecóis, fizeram parte da nossa indumentária durante quinze dias. As temperaturas diurnas variaram entre os -1ºC e os 5ºC. Tenho tido mais frio no inverno em Portugal, só porque não me digno a andar de calças da neve para ir trabalhar. Os quartos de hotel também estão equipados com calefação. No último dia que passámos em Ushuaia, houve um forte nevão, deixando a cidade toda branca. Nunca tinha visto nevar com tanta intensidade, nem mesmo quando estive em Zermatt, na Suiça. O Fim do Mundo é ainda mais maravilhoso todo branco.

A cidade de Ushuaia quase se resume à avenida de S. Martin, onde tudo acontece. Esta avenida sofre de um trânsito louco, filas imensas de automóveis que andam para trás e para a frente, em câmara lenta. Ao anoitecer é a verdadeira hora de ponta, com alguns carros com a música bem audível, cheios de poeira e alguns pára-brisas partidos. Muitas das estradas da Argentina são de terra batida e com gravilha e a consequência disto é irremediavelmente vidros partidos. Esta avenida tem imensos restaurantes, cafetarias e lojas de trekking. No entanto, apesar da grande variedade de artigos de treking, não se pode comprar nada. No mínimo os preços são o dobro daqueles que se praticam em Portugal para estes artigos.

Muitas são as avenidas na Argentina com o nome de S. Martin e, quase sempre, avenidas principais. S. Martin foi um general sul-americano que contribuiu para a independência da Argentina e de outros países da América latina. A independência da Argentina é proclamada em 1816 e o regimento de granadeiros comandado por S. Martin foi essencial para derrotar os Espanhóis.Em Ushuaia estivemos quatro dias.

No segundo dia navegámos pelo canal Beagle, num catamarã, que embarcámos no porto de Ushuaia. Nesta zona existem vários quiosques que oferecem várias possibilidades de excursões marítimas. A nossa viagem durou cerca de três horas e navegámos em torno da Ilha dos Pássaros, da ilha dos Leões Marinhos e do Farol Les Eclaireus. Neste percurso avistámos várias ilhotas com duas espécies de cormorões ou mergulhões que, ao longe, parecem pinguins, e também leões marinhos. Os cormorões juvenis são castanhos. Os leões marinhos estão num festim gastronómico. Imitem sons grotescos e ao seu redor é um cheiro a marisco, que parece que enfiámos o nosso nariz dentro de um pacote liofilizado de caldo de marisco. Aparecem em grande abundância e podemos vê-los a brincar, a brigar ou a namorar com os seus companheiros. É impossível desviar a vista destes animais e foi dos espectáculos mais belos que vi de vida natural. Já no final da visita, avistamos numa ilhota o farol mais austral do mundo- o farol Les Eclaireus. A taxa portuária não estava incluída no tour, mas o valor era insignificante.

No regresso a Ushuaia fomos jantar. Durante o tempo que estivemos em Ushuaia experimentámos algumas das iguarias argentinas, sempre regadas de vinho argentino. Os nossos jantares não nos saíram baratos, mas comemos uma santola gigantesca ao natural, a tradicional milanesa com papas fritas (costeleta de vitela ou de frango com batatas fritas aos palitos), pudim flã, um arroz de marisco e, entre outras coisas, uma parrilhada de carne, assada num grelhador em forma de pirâmide, onde várias carnes são expostas ao lume durante um tempo considerável. A nossa parrilhada era composta por cordeiro, carne de vaca, intestinos da vaca, porco, chouriço e morcela e ainda frango. Foi uma quantidade industrial de comida que nos chegou à mesa e não comemos nem metade. Não ficámos verdadeiramente encantados com esta refeição, pois as carnes tinham pouco tempero (apenas pouco sal) e ficaram um bocado desenxabidas. Em todo caso, tínhamos que experimentar o verdadeiro asado patagónico. As comidas que mais comemos durante esta viagem foi cordeiro e bife do lombo da vaca (ojo de bife). A carne era sempre muito tenrinha, infelizmente quase sem sal.

No dia seguinte, pela manhã, fomos ao Parque Natural da Tierra del Fogo. Fomos novamente numa excursão, porque a entrada neste parque ainda fica a uns 12 Km do centro da cidade. A maioria das viagens organizadas marquei-as através da internet, ainda em Portugal, no site argentina4u.com. Correu tudo muito bem, os operadores foram prestáveis e foram-nos buscar sempre a horas e ao local combinado.
No parque natural da Tierra del Fuego, embarcámos no tren del fin del mundo. O comboio do fim do mundo é um comboio turístico de linha estreita que segue a antiga linha do comboio que transportava prisioneiros para a floresta para fazerem trabalhos forçados, há quase cem anos. Não havia escape possível para estes prisioneiros que todos os dias cortavam lenha para assegurar o fornecimento da colónia penal em Ushuaia. Poucos se aventuravam a fugir pois não escapavam às agruras do clima.


O parque estava coberto de neve e foi encantador percorrer os 7 Km da via-férrea mais austral do mundo (inicialmente esta via percorria 25 Km). Durante o trajeto podemos observar a paisagem glaciar, montanhas e vales, florestas de lenga, ñire e coihue, turfeiras (solo caraterístico da Terra do Fogo composto por material orgânico e mineral compactado) e fauna que por lá andava. Tudo coberto de branco, dá para imaginar o cabo dos trabalhos passado pelos presos. Por fim, o comboio chega à entrada do parque, onde prosseguimos a excursão até ao Lago Roca e à Baía Lapataia. Para visitarmos estes lagos, o autocarro teve que calçar umas correntes de neve nas rodas traseiras, uma vez que o trajeto estava cheio de gelo. Embora comboio e linha tenham sido feitas de novo, é uma bela forma de percorrer uns poucos quilómetros dos 689 Km2 deste parque e compreender um pouco a vastidão da patagónia. No nosso vagão metemos conversa com um casal Argentino que nos disse que no sul tudo era muito pacífico. Mas na capital, a criminalidade estava a aumentar e eles não se sentiam muito seguros. Queixaram-se também da situação económica do país e perguntaram como era a nossa. A esta resposta eu já me habituei a responder: -sistemas diferentes, os mesmos problemas. Curiosamente, avizinham-se as eleições para eleger o Presidente da Argentina. Devido às eleições, as bebidas estavam interditas à venda nos supermercados durante aquele fim- de- semana. Nada de álcool!

Por falar em supermercados, a vida na Argentina não é barata. Íamos ao supermercado com frequência para comprar umas águas, bolachas e batatas fritas e às vezes umas sandes. No mínimo saímos de lá com dez euros a menos. Calculei que os Argentinos ganham muito mais que nós, apesar do buraco económico em que se encontram. No fim do mundo não vimos pedintes, nem crianças esfarrapadas, nem gente com mau aspeto. Creio que também se não tivessem as mínimas condições de subsistência, provavelmente morriam congelados. Vê-se ao abandono, por toda a Argentina, imensos cães desesperadamente à procura de um dono. Não é bom ser cão na Argentina.

No último dia em Ushuaia visitámos o museu marítimo e museu do presídio que conta a história dos presos na história de Ushuaia e a relação desta povoação com o mar, ao longo dos tempos. Aqui também podemos conhecer um pouco da história das expedições antártidas. Desde 1896, e durante cinquenta anos, funcionou aqui um funesto penal e daqui eram muitas vezes transportados os presos para o famoso Tren del fin del mundo até ao Parque Natural onde eram sujeitos a trabalhos forçados.

Ainda visitámos o museu do Fim do Mundo e Yámana, com galerias que contam as histórias dos valentes expedicionários que deram os primeiros passos sobre a Antártida e dos povoadores originários e bonecos de cera que contam a história dos primeiros povos que habitaram à 10000 anos este recôndito sul do mundo, adaptados ao frio extremo com as suas enormes fogueiras -essas que deram nome ao Estado.

Neste último dia nevou imenso. Tínhamos que sair por volta das quatro da manhã para apanhar um autocarro que nos levaria à passagem do Estreito de Magalhães e à saída desta Península. Tínhamos que descer até à paragem do autocarro e o gelo era tanto, na estrada e nos passeios, que só se pode prever uma bela queda pelo caminho. Foi isso que aconteceu, após várias tentativas, o asfalto da estrada tornou-se o poiso óbvio para quem não está habituado a caminhar sobre neve e gelo.

Subimos a Argentina sempre por Terra de autocarro e de comboio. Era esse o objetivo para melhor apreender a paisagem. Nem sempre isso foi possível, pois muitas viagens ocorreram durante a noite e de noite só se veem os holofotes de um ou de outro carro e o gelo formado na estrada. Ainda assim, deu para perceber a dimensão deste país e a noção de longínquo. Penso que de avião isso não seria possível. Já estive em alguns países enormes mas nunca tinha tido esta percepção. O isolamento das populações em grande escala! A megalomania das distâncias sem avistarmos vivalma! Permite-nos sonhar que somos um gaúcho montado a cavalo, a percorrer as enormes estepes fustigadas pelo vento, acompanhados de um farnel que mastigaremos em pleno nada, desde que não o façamos na fronteira Argentina-Chile para não sermos alvo de um controlo por parte da imigración.

Saímos de Ushuaia às cinco da manhã em direção a Río Gallegos. Na Van que substituiu o autocarro até Rio Grande, pois só íamos três, fizemos a famosa nacional 3. Pouco vi da paisagem, a não ser que passámos uma zona montanhosa, coberta de neve e gelo até chegarmos a Río Grande. Foram 616 Km que demoraram cerca de 12 horas, com vários controlos alfandegários e algumas cenas caricatas à mistura. Depois de chegar a Río Gallegos compreendi porque éramos só três a fazer aquela viagem. Todos os outros vão de avião.

Se escolher a opção terrestre é bom saber o que o espera. O autocarro irá passar na Passagem fronteiriça Austral-Paso de San Sebastian, onde deveremos cumprir os requisitos de saída. Sair do autocarro, carimbar passaportes, check up das malas, entrar no autocarro. Depois, seguimos numa estrada de casacalho, que eu nunca me lembraria que pudesse ser uma estrada de fronteira entre dois países, e, uns quilómetros mais, saímos do autocarro, carimbamos os passaportes, check up das malas, entramos no autocarro. Como há um passageiro em estado ilegal, voltamos a fazer a estrada de cascalho para o levar onde nunca devia ter saído. Posteriormente, voltamos à estrada de cascalho, passamos a fronteira chilena e agora encontramo-nos no sector da Terra do Fogo Chilena. Chegamos à Baía Azul onde embarcaremos num ferry, completamente apinhado de carros, autocarros, camiões, e após vinte minutos a tentar furar entre este parque automóvel para ver as vistas, estamos a regressar ao autocarro que nos levará a Punta Delgada. No Chile estradas asfaltadas que se perdem no infinito (as nacionais 255 e 257) vão-nos levar à Passagem Fronteiriça de Integração Austral onde cumprimos os requisitos de saída do Chile e os de entrada na Argentina. Ou seja, sair do autocarro, carimbar passaportes, check up das malas, entrar no autocarro. Para além do controlo dos documentos em ambas as fronteiras, existe o controlo das malas, com uma particular obsessão por alimentos não cozinhados, sementes, animais e seus subprodutos, sobretudo no Chile. Temos que declarar num impresso o que levamos e não levamos, caso contrário as multas parecem que são avultadas. Numa destas passagens de fronteira, no Chile, o rapaz que vinha connosco na Van foi interpelado pelo controlo sanitário chileno, após check up das malas, por levar umas sandochas. As malas passaram num tapete rolante para verificação através de raios-X, os chilenos fizeram uma grande alarido, passaram de novo a mala do rapaz, obrigaram o sujeito a abrir a mala, detetaram as suas sandochas, fizeram de novo um grande alarido e depois deixaram o rapaz seguir com as sandochas. O rapaz nada dizia, até lhe perguntaram se falava espanhol, sempre com maus modos. Já estava a ver que tínhamos que voltar à fronteira Argentina. Parece que esta obsessão pelos alimentos e derivados de plantas e animais tem a ver com o ingresso numa área livre de Febre Aftosa e Mosca dos Frutos e para manter este status sanitário o Serviço Nacional de Sanidade e Qualidade Agroalimentar (SENASA) controla o ingresso de qualquer alimento infetado. Por isso, podemos trazer na bagagem (nem sequer na de mão) quaisquer tipos de produtos caseiros, frutas, legumes, queijos, carnes (bovina, ovina, suína, caprina) e seus derivados (frios, embutidos, miúdos bovinos, etc.), pois na sua chegada serão apreendidos e desnaturados. Estava um bocado preocupada com o meu Kispo de penas que se rompeu em Ushuaia e largava penas por todo lado. Já estava à espera de ficar retida na fronteira por transportar penugem de um animal morto.

Na Argentina, voltámos a percorrer a rota nacional nº 3, até Río Gallegos. Río Gallegos foi uma cidade para pernoitar, caso contrário a nossa viagem até El Calafate durava dois dias de autocarro. Percorremos a pé um longo trajeto da estação de autocarros até ao hotel, com uma mala de mochileiro e outra rígida que eu empurrava como se fosse um carrinho de supermercado. Foram pelo menos uns quatro quilómetros, mas como os passeios estavam em mau estado, pareceram para aí uns dez. Río Gallegos é uma cidade com casas rasteiras que se estendem num plano longitudinal. Há casas com bom aspeto, há casas com mau aspeto. Os dois edifícios mais altos que vi foram o hotel e a estação de autocarros. Jantámos e eu comi uma entremeada de carne de vaca cozida que me deixou enojada. Isto porque não gosto muito de carne de vaca cozida. Ao outro dia, levantámo-nos, chamámos um táxi e fomos apanhar o autocarro para El Calafate. A viagem para El Calafate demora cerca de 4 horas. Os autocarros Argentinos estão concebidos para percorrerem longas distâncias e os bancos quase parecem uns sofás, inclinam-se quase ao ponto de ficarmos deitados e temos ainda um encosto para as pernas. Consoante a duração da viagem servem várias refeições, algumas companhias servem refeições mais elaboradas que outras e bebidas. Em todas as viagens deram-nos um alforjol que é um doce tipicamente argentino, alguns com chocalete por fora e com uma massa fofa recheada com um creme por dentro. Apesar de tudo torna-se difícil dormir. Ao percorrermos esta distância foi possível observar aspetos da estepe Argentina, com as árvores dobradas pelo vento, de baixa estatura, e com um ar espinhoso. Esta natureza agressiva impõe respeito a par das distâncias. Pouco antes de chegarmos a El Calafate passámos por cumes nevados e na sua descida, ao longe, avistámos as Torres del Paine e lagos Glaciários, como o Lago Argentino.

El Calafate é uma cidadezinha com um aspeto muito montanhês. A avenida principal, com algumas casas de madeira, fez-me lembrar Zermatt, embora esta última tenha mais carisma. Chegámos ao nosso hotel e fomos muito bem acolhidos, os empregados eram extremamente hospitaleiros. Recomendaram-nos que ainda nessa tarde dessemos um passeio até à Laguna Nimez. É uma zona húmida e como tal tem imensas aves que podem ser identificadas através das várias placas identificativas no percurso pedestre. Demorámos umas 2h 30 a percorrer a Laguna e até nos deram um folheto em português. Depois voltámos a fazer um longo percurso até ao centro da cidade, mas antes lanchámos num pequeno bar virado para esta reserva ecológica. À noite fomos jantar e no restaurante aplicaram-nos uma taxa que é designada de cubierto. Não percebemos muito bem qual o sentido desta taxa que só se paga em alguns restaurantes, ainda pensámos que fosse do couvert mas parece que não é bem assim. A dita taxa que pode aparecer mesmo quando não se come o cesto do pão e as azeitonas e mesmo quando se paga a gorjeta ao garçon, parece que está relacionada com os bens materiais que usamos para jantar. Ou seja, comemos com talheres, pratos, copos, em mesas com cadeiras e isto parece ser o cubierto. Ninguém sabe como se poderia comer sem isto num restaurante, mas pelo menos sabe-se que alguns gostam de aplicar a andrajosa taxa. E que tal fazerem um seguro para assegurar a substituição das louças partidas e não serem os clientes a pagar? Na fatura, para além de aparecer esta obscura taxa, ainda pode aparecer a taxa relativa ao serviço de mesa. Por fim, o garçon ainda se pode sentir motivado a pedir uma gorjeta. Daqui em diante, eliminámos os cubiertos das escolhas da nossa gula.

No dia seguinte fomos até ao Parque Nacional Los Glaciares. Uma visita a Argentina merece o poiso neste parque, apesar do seu bilhete de entrada diária não ser barato- 50 euros por pessoa. Em Portugal, tinha marcado pela internet as aventuras para estes dias, pelo que não tivemos grandes preocupações. De manhã cedo, partimos numa excursão até ao Parque e depois de percorrermos uns trinta minutos de autocarro, vislumbrando os glaciares, partimos numa embarcação que nos levou até à parede sul do Perito Moreno. Aí, percorremos a pé por uma floresta de árvores típicas da Patagónia e chegados à praia do Lago Argentino, calçámos os grampos para fazermos um mini-trekking sobre os campos de gelo do Perito Moreno. A minha relação com esta paisagem é de puro espanto contínuo. Sempre de olhos arregalados, boca aberta, de paisagem em paisagem, criança outra vez. Nunca antes outra paisagem foi tão assoladora para os meus sentidos e tão apoteótica e ao mesmo tempo serena.

Calçados os grampos, toca a marchar pelo Glaciar. Um dos grampos estava sempre a sair da minha bota. A subir o gelo foi fácil, mas nas descidas apoderava-se em mim um receio de cair, que quase ficava bloqueada e cheguei mesmo uma vez ou outra a deslizar. De mão dada ao Vasco que revelou-se um perito neste tipo de percurso, descobri fendas, cavernas e pequenos lagos. Em determinadas zonas o gelo tinha uma cor azulada. O percurso não foi muito longo, mas deu para suar, apesar do frio de rachar que se fazia sentir nesse dia. Foi uma aventura típica de uma expedicionária que terminou com um copo de Whisky com gelo glaciário. Não gosto de whisky, mas após ver tantas fendas no gelo e buracos cavernosos e testar a minha inépcia para andar com grampos, bebi o whisky todo sem pestanejar. Após este percurso, almoçamos numa casa de montanha, sob o crepitar de uma lareira. À tarde, fomos até ao passadiço em frente ao Glaciar Perito Moreno e o espantou continuou mesmo após já ter visto dezenas de vezes aquela imagem em fotografias. Este glaciar tem 31 Km de comprimento e 4 Km de largura. Ao descer estes passadiços, aquela imensidão de gelo engole-nos e ainda é possível de quando em vez ouvir um ruído ensurdecedor de um grande bloco de gelo a cair da frente do glaciar para o Canal de los Témpanos (canal dos icebergues). O seu gelo escorre da montanha para as águas do Lago Argentino, o maior lago da Argentina. Aqui tive pena de não ficar mais tempo a admirar a paisagem, mas este é uns dos problemas dos tours organizados.

Regressámos a El Calafate, com o motorista a praticar uma condução que eu designaria de insólita. Para fazer face ao forte vento que se faz sentir, os condutores da Patagónica guinam ligeiramente o volante de um lado para outro, levando o carro a ziguezaguear pela estrada fora.
À noite, comi uma bela truta patagónica com puré de abóbora, uma das melhores refeições de toda a viagem.
No dia seguinte, voltámos ao Parque Nacional de Los Glaciares para deixar mais 50 euros para poder admirar o glaciar Upsala e o glaciar Spegazzini. Fomos até ao porto Punta Bandera e embarcámos num catamarã que nos levou ao braço norte do Lago Argentino. Neste percursos avistámos paisagens assoladoras, com as montanhas cobertas de neve, navegando entre icebergues flutuantes, até chegarmos à massa enorme de gelo do Glaciar Upsala que se estende para lá do horizonte. Este glaciar estende-se por 50 Km de comprimento e cobre uma área de 595 km 2. Já chegou a ser o maior Glaciar da América latina mas acabou por perder o seu título para o Glaciar Viedma. Posteriormente, navegámos até à enorme parede de gelo do Glaciar Spegazzini, que é a mais alta do Parque Nacional. Em algumas partes pode chegar a atingir uma altura de 135 m. Depois da antártida e do ártico este parque contém a maior massa de glaciares do mundo, um verdadeiro livro de recordes. Sempre que aparecia uma enorme massa de gelo flutuante azul, era ver as pessoas no barco a correr na sua direção em busca da fotografia perfeita. Estes glaciares são reminiscências da idade do gelo, quando eram muito maiores e escavaram os vales em U da patagónia. Quando os glaciares recuaram, há cerca de 10 000 anos, estes vales encheram-se de águas glaciares, formando os grandes lagos da Patagónia.
No final do dia regressámos a El Calafate.

Às quatro da tarde do outro dia estávamos de partida para Comodoro Rivadavia. Mais uma viagem de autocarro que duraria cerca de 15h 30. Chegámos ao hotel por volta das oito da manhã e ainda usufruímos do excelente pequeno- almoço. Depois fomos dormir um pouco, o que não conseguimos dormir durante a noite no autocarro. Comodoro Rivadavia é uma cidade rasteira, petrolífera e com uma longa avenida cheia de lojas de comércio. Pouco tempo perdemos nesta cidade, uma vez que às nove da noite já estávamos no autocarro para mais uma viagem nocturna até San Carlos de Bariloche. As pessoas em Comodoro tinham um ar mafioso, um pouco de cosmopolitanismo decadente. Mas nunca nos sentimos ameaçados. Só chegaríamos a San Carlos de Bariloche por volta do meio dia.

O nosso Hotel ficava em frente da Catedral. Mais uma vez uma rua San Martin com lojas de artigos de treking e restaurantes. San Carlos de Bariloche foi fundada por colonos suiços, italianos e alemães, de modo que a arquitectura faz lembrar uma cidadezinha suiça, nomeadamente o Centro Cívico, onde se encontra o posto de turismo. Este edifício municipal em pedra, com os telhados em V invertido, à qual juntamos as madeiras nas fachadas e uma torre de relógio, com os cães São Bernardo a servirem de atração para o turista pagar e chocolatarias e mais chocolatarias ao redor, com um grande lago na imensidão, faz-nos lembrar a Suiça da América Latina. Mas fartei-me um bocado desta cidade. Às tantas, estava sempre a percorrer as mesmas ruas, a comer o mesmo ojo de boi e no último dia ainda subimos de teleférico a Cerro Campanário, que nos dá uma visão magnífica do lago Nahuel Huapi. Tínhamos tempo na cidade para fazer outros programas e uma das minhas intenções era ir a Cerro Catedral, uma estância de esqui. Mas o preço era exorbitante e, apesar de não ir todos os dias à Argentina, não podia despender mais dinheiro neste tipo de programa.


Passados três dias fomos fazer o cruzeiro dos Lagos pelo Parque Nacional Nahuel Huapi, uma atividade turística que se faz há 200 anos. Fizemos este cruzeiro num dia, embora se possa fazer em dois. Para mim, um dia foi suficiente. Saímos de autocarro para Puerto Pañuelo, sempre à borda de água. Aqui, embarcámos num catamarã e navegámos no Lago Nahuel Huapi durante cerca de uma hora até Puerto Blest. O Parque Nacional Nahuel Huapi é o parque mais antigo da Argentina e oferece-nos paisagens límpidas, com quatro lagos, até ao Chile. Em Puerto Blest apanhámos outro autocarro até Puerto Alegre, pelas margens do Rio Frías. De seguida, embarcámos novamente num catamarã e navegámos no Lago Frías. Este lago tem uma tonalidade verde turquesa, rodeado de vegetação abundante, e com vistas para o Cerro Tronador, que se situa a 3491 metros de altura. Chegamos ao Paso International Perez Rosales, em Puerto Frías, onde efetuámos os trâmites de saída da Argentina. Mais uma vez, as malas são inspecionadas, desta vez sem grande convicção. O primeiro saco que apareceu era um saco de roupa suja, por isso, desistiram rapidamente da vistoria. Fomos de autocarro até Peulla por um caminho de terra batida, ainda com neve, e aí fizemos nova entrada em território chileno e uma pausa no Hotel Peulla para almoço. Em Peulla pouco existe, meia dúzia de casas, se tanto. O hotel serve para dar apoio aos veraneantes deste percurso. A localidade é isolada e apenas nos podemos perder com as vistas. Abandonámos o Parque Nahuel Huapi (lado Argentino) e entrámos no Parque Nacional Vicente Pérez Rosales (lado Chileno). Navegámos até Petrohué, pelo lago Todos los Santos. Este lago é enorme e, neste ponto, a viagem não tem fim. Podem-se ver vistas do Vulcão Osorno e do Vulcão Pontiagudo e do Cerro Tronador. Durante o trajeto passámos Los Saltos Del Petrohué, formas caprichosas de rocha vulcânica, banhadas por cascatas com água de cor verde. Esta cor verde esmeralda deve-se aos sedimentos que proveem do degelo das encostas de Cerro Tronador. Também nas encostas deste lago existem casas isoladas de milionários, que só são acessíveis de barco ou de helicóptero. Quando os afortunados não chegam pelo ar, muitas vezes embarcam no ferry que a meio de percurso deixa os passageiros num pequeno barco que se encosta ao ferry. O passageiro salta para o barco, acena e parte em direção à sua milionária mansão.
A vegetação também muda quando passamos para o lado chileno. Torna-se menos alpina e mais verdejante. Por fim, navegámos o lago Llanquihue, com vistas dos vulcões da zona, Osorno e Calbuco e depois atracámos. Ao anoitecer, depois de uma viagem de uma hora de autocarro tínhamos chegado a Puerto Varas.

Puerto Varas situa-se no Chile e é uma cidade pequenina junto ao lago Lhanquihue, que é o segundo maior lago do Chile. A cidade faz lembrar que foi uma colónia alemã, devido à arquitectura das suas casas. O lado Chileno pareceu-nos mais desenvolvido relativamente à vizinha argentina. As casas estão mais cuidadas, há menos distância entre elas, veem-se mais campos cultivados e a natureza é mais verdejante. Os preços também nos pareceram mais em conta. Ao jantar, comemos uma entrada de ceviche, dois pratos principais, um de peixe e outro de carne, divinalmente confecionados, bebemos vinho e comemos sobremesa e pagámos menos dez euros que no lado argentino. A relação qualidade/ preço do Hotel em Puerto Varas também se revelou surpreendente. Ficámos no Radisson e devo dizer que nunca tinha ficado num quarto tão gigantesco e numa cama tão grande num Hotel À chegada ainda fomos brindados com uma bebida de cortesia. Já era quase noite quando chegámos e manhãzinha quando partimos. Foram mais umas sete horas de viagem de autocarro até San Carlos de Bariloche, passando pelos picos nevados dos Andes, por mais uns carimbos no passaporte, por Villa Angustura, até chegar ao pior Hotel de toda a viagem (relação qualidade/ preço) e chegar à conclusão que também os mochileiros já têm nome na praça e são explorados. Nem sequer estava bem localizado. Não era perto do centro e ficava bem mais longe da estação de comboios do que o que eu pensava. Mais um dia de Bariloche e ao outro dia, às 17.00 horas estávamos a entrar no Tren Patagónico, um dos últimos comboios da América latina. Só chegaríamos a Viedma às 11.30 do dia seguinte.

A viagem no tren patagónico é mítica. O comboio só sai uma vez por semana de Bariloche em direção a Viedma e faz outra viagem em sentido contrário. É a viagem pelas pampas que eu tanto imaginava que liga os Andes ao mar. Mimámo-nos com um camarote privado, com semelhanças com muitas outras carruagens- cama, um banco com um beliche amovível por cima, um lavatório, sítios para colocar bagagens. Mete-mos conversa à noite, ao jantar, com umas passageiras, na carruagem-restaurante. É para isto que servem as longas viagens de comboio. A paisagem é pouco variada, contando que uma parte do percurso foi noite escura. Onde a onde uma povoação com telhados de zinco perdida no meio de nenhures. É a aridez da estepe, prolongada no espaço e no tempo. Por tudo isto, a sensação de isolamento invade-nos a alma e sentimo-nos qual forasteiro a percorrer os trilhos do fim do mundo. A aura desta viagem, não está propriamente na paisagem mas naquilo que ela nos provoca. Os momentos de contemplação invadem-nos a cada instante, permitindo uma fusão do viajante com a desolação da paisagem e o abandono das magnâncias da vida. Por momentos, pensamos que a vida deveria ser sempre assim. São 830 Km de alienação da alma. Chegámos a Viedma por volta do 12.00. Saímos da estação e resolvemos andar um bom bocado com as malas até à estação de autocarros onde tínhamos às 19.00 um autocarro para Buenos Aires. Sobre Viedma, comi uma massa caseira deliciosa e foi um local onde estávamos em trânsito. Malas às costas não ajudam a visitar uma cidade. Pareceu-nos mais uma cidade com casas rasteiras, muito comércio e ruas largas. Ao outro dia, às 7.30 estávamos em Buenos Aires.
O que se pode ansiar depois de uma noite mal dormida num autocarro? Pois bem, na minha opinião um quarto de hotel, um banho quente, e algum descanso, renovam-me energias para continuar as visitas. Mas não foi isso que aconteceu. Apesar de ter marcado o hotel em Portugal e era o mesmo hotel que ficámos a primeira vez quando chegámos a Buenos Aires, a nossa reserva tinha-se eclipsado e, portanto, tivemos que arranjar outro hotel na zona. Recomendado pelo recepcionista que alegava não ter quartos vagos para nos hospedar, fomos parar a um hotel da mesma categoria, mas um bocado mais precário. Enfim, depois deste contratempo estávamos prontos para visitar a cidade. Os contratempos impõem ao organismo uma subida da adrenalina e depois torna-se impossível descansar. Saímos para as grandes e largas avenidas de Buenos Aires e durante esta reta final visitámos os principais bairros da cidade: San Telmo e La Boca; Recoleta; Palermo e Belgrano. Fomos à Plaza de Mayo e ao microcentro e à Plaza de San Martin e Retiro.

O centro de Buenos Aires tem avenidas larguíssimas e quase parece uma cidade Europeia. Não vimos muita mendicidade que provavelmente está albergada nos subúrbios. Tinha elevadas expectativas acerca do bairro La Boca, contudo, quando chegámos a El Caminito, uma pequena rua pedonal cujas casas têm paredes e telhados de zinco com cores fortes, fiquei algo decepcionada pois mais parecia um museu ao ar livre. Foram os imigrantes genoveses os responsáveis por esta berrante coloração das casas, que no século XIX, pintavam os seus bairros de lata para alegrar as suas vidas. No final da tarde, começaram a fechar as lojas com artesanato e obras de arte, sobrando um ou outro restaurante e a atmosfera passou a ser tensa para os turistas. Não se viam residentes locais e ficaram apenas alguns olhos observadores a acompanhar o breu da noite. Antes de chegarmos a esta zona, perto do estádio do Boca Juniores pudemos ver que ali ainda residia a alma porteña, com os seus habitantes concentrados nas suas vidas. San Telmo e la Boca reclamam ser os bairros originários do tango, mas a verdade é que vimos pouco tango por aqui. A plaza Dorrego, no Bairro de San Telmo é uma praça interessante pois está rodeada de edifícios bonitos bem conservados, convertidos em bares, restaurantes e lojas de antiguidades. Em volta da praça, existem umas quantas ruelas de casas outrora das famílias patrícias e dizem os entendidos que nesta mesma praça é possível assistir a danças informais de tango. Isso não aconteceu e, mesmo sendo fim de semana esta praça pareceu-nos que merecia mais: estava um pouco deserta mas talvez seja melhor assim. Para vermos um espectáculo de tango comprámos um bilhete numa agência do microcentro depois de termos sido abordados por uma senhora que falava português (do Brasil) na rua. Pedimos um espectáculo menos turístico e mais genuíno e ficámos à espera que nos fossem buscar ao hotel à hora marcada. Os minutos começaram a contar e passados 45 minutos ninguém nos vinha buscar. Começámos a pensar que provavelmente teríamos sido enganados, até que pedimos ao recepcionista para telefonar para os números do folheto da reserva. Todos indisponíveis e ele nem sequer conhecia esta casa de tango. Entretanto estava uma comitiva de polícias alojada no nosso hotel que logo se prontificou a resolver o nosso problema. Um dos polícias faz uma série de telefonemas até que entra em contacto com os agentes turísticos e diz-lhes que nós já estávamos à espera há uma hora e até a polícia já tinha sido metida ao barulho. Os outros, prontamente enviaram um táxi para nos ir buscar e reservaram-nos um lugar central na sala de espectáculos. O espectáculo foi sensacional. Tango cantado e dançado, com artistas de arrepiar a espinha. A refeição foi o típico ojo de bife, carne argentina, pois claro! A casa de tango e o espectáculo em si, fez-me lembrar uma típica casa antiga de fados em Alfama, com um aspeto mais cuidado.
Em Buenos Aires percorremos ainda os bairros de Recoleta, Palermo e Belgrano, mais ocidentalizados, com prédios cuidados e com muitos andares e os quarteirões com restaurantes e comércio virado para uma clientela mais alta, pontuados onde a onde por jardins. Em Belgrano visitámos o MALBA- Museo de Arte Latinamericano de Buenos Aires, um edifício de arte contemporânea que alberga arte latino-americana do séc. XX, com trabalhos de Frida Kahlo, Fernando Botero ou retratos das classes trabalhadoras urbanas numa marcha de protesto de Antonio Berni.

No entanto, onde a cidade fervilha de vida é em torno das ruelas da Plaza de Mayo, com várias ruas comerciais que estão polvilhadas de gente. Esta praça marca o centro administrativo e comercial da cidade, torneada pelo Palácio Residencial (Casa Rosada), pelo Banco de la Nación, pelo Cabildo de Buenos Aires, pela Catedral Metropolitana, pelo Palácio de Gobierno, pelo Ministerio de Economia, pela Legislatura de Buenos Aires e uma pirâmide no centro que representa a revolução de maio de 1810. A praça é também ela um símbolo do orgulho argentino recordando que as Islas Malvinas são Argentinas por direito, para além de já ter sido palco de um campo de batalha durante as invasões inglesas, local de reunião de líderes a favor da independência, teatro da família Péron, sítio de concentração de multidões descontentes e testemunha do desaparecimento dos familiares das Madres de la Plaza de Mayo durante a guerra suja, entre 1976 e 1983, em que os militares derrubaram o governo e neutralizaram milhares de pessoas opositoras ao estado que foram torturados, mortos e exilados, num clima de grande inflação e desemprego. Estas mães de mayo, todas as quintas feiras rumam até à praça e marcam presença invocando o silêncio destes desaparecidos que afinal também tinham mãe mas que viveram um lado infeliz da História. Esta é a história da Argentina mas também de todos os países da América Latina, e de todos os países em que os líderes massacram populações sob o jugo do poder. Concluindo e parafraseando os Argentinos: "Las Islas Malvinas son Argentinas.".